Depois que virei agricultora enraizei de vez em São Paulo. Prefiro não viajar por várias razões: quero ficar perto das minhas plantas, não gosto de fazer turismo e deslocamentos (sobretudo aéreos) emitem muitos gases de efeito estufa. Mas amo conhecer projetos de agricultura urbana pelo mundão. Se for para isso, é chamar que eu vou! De Maricá a Paris, passando por Rosário (Argentina), Todmorden (Inglaterra), Osasco, Rio de Janeiro e agora Salvador, aprendi demais. E tento pagar a multa ambiental das viagens compartilhando experiências e ajudando a tecer a rede dos hortelões, agrofloresteiros e permacultores do planeta.
O roteiro em Salvador começou pela Universidade Federal da Bahia. Todas as sextas acontece uma feira agroecológica nos jardins do Campus Ondina, região central da cidade. Agricultores da região vendem suas colheitas e rola também capoeira, debates, cosméticos naturais e tapiocas incríveis. Tudo isso no currículo acadêmico. A feira faz parte da disciplina Comercializando Produção Agroecológica, ministrada pela professora Josanidia Lima. Caiu o queixo? Então espera que não acabou: o professor Geraldo Aquino é o titular da matéria Plantas Alimentícias Não Convencionais, nossas queridas PANC. Ele e os alunos criaram um viveiro dentro do campus e estão implantando agroflorestinhas por lá, assim como participam de mutirões nas hortas comunitárias da cidade e em sítios agroecológicos da região. Existe ainda a disciplina Matas Urbanas, da professora Aparecida Oliveira, que leva os estudantes para práticas agroecológicas e interação com comunidades. Feira, PANCs e Matas Urbanas são caracterizadas como Ação Curricular em Comunidade e Sociedade (ACCS) e existem para cumprir uma função importante das universidades, que é compartilhar conhecimentos com a sociedade.
Para entender melhor o panorama soteropolitano da agricultura urbana, conversei com o vereador André Fraga . Durante seu mandato como Secretário do Meio Ambiente, ele implantou o programa Hortas Urbanas Salvador. E essa história tem tudo a ver com a… Horta das Corujas! Em 2016 recebi a visita do André em São Paulo, encontro que foi decisivo para que o projeto virasse realidade. Naquela época a prefeitura recebeu de Wilson Brandão Lima a sugestão de transformar em canteiros uma área pública abandonada ao lado do prédio onde mora no bairro de Pituba. Mas ninguém estava acreditando que fosse possível. Por causa da nossa conversa André mudou de ideia e agora já são mais de 100 hortas na cidade. A número 1 do Projeto Hortas Urbanas Salvador continua sendo cuidada por Wilson, sua esposa Claudia Lima e Marcelo Alexandre Silva, criador do Meliponário Caminho, que salpicou a horta de colmeias de abelhas nativas sem ferrão. Devido aos roubos de plantas (drama que conheço muito bem), a horta hoje em dia fica fechada com cadeado e os mutirões acontecem nos finais de semana de manhã. O problema é a escassez de voluntários assíduos e com conhecimento suficiente para saber o que é preciso fazer na horta, o que também acontece nas Corujas.
Em seguida fui visitar o Laboratório Agrobiodiverso Barris, uma agroflorestinha que no instagram atende por @hortacomunitaria. Foi criada em 2014 por Tales Barros na Praça Almirante Coelho Neto, em Barris (nome do bairro). Ele é educador e compartilha comigo dois sonhos: que as hortas sejam recurso didático pedagógico e fazer uma Rede Nacional de Educação Agroflorestal. Nesse encontro ganhei uma muvuca de sementes crioulas para plantar e mais animação para seguir nas jornadas em busca de parceiros que fazem trabalhos semelhantes em outros lugares. Tales viaja para lá e para cá, conhece um monte de gente e, se você também sente o chamado para tecer essas conexões, fala com ele.
Outra ativista-símbolo da agricultura urbana em Salvador é Débora Didonê, criadora dos Canteiros Coletivos . Tudo começou há 10 anos com a ideia “Vamos juntar uma galera para plantar um canteirinho na calçada”. Hoje a iniciativa implanta hortas em escolas e outros espaços públicos, faz parceria com governo e empresas, desenvolve soluções ecológicas integrando paisagismo comestível, jardins de chuva e cisternas. Débora me levou para conhecer a Escola Municipal Sociedade Fraternal, em Pau de Lima, e o Colégio Estadual Professora Marilene da Silva, em Mata Escura. São bairros de alta vulnerabilidade social, onde é comum as fachadas das escolas virarem pontos de descarte de lixo. Débora faz um trabalho incrível que está mudando essa realidade.
A caminho do aeroporto, ainda deu tempo de conhecer a Ecovila Maria, em Itapoã, pertinho da Lagoa do Abaeté. A ecovila é um predinho lindo, inaugurado em 2021 e que já foi projetado (pela Carla, uma das moradoras) pensando em incluir soluções ambientalmente corretas como captação de água de chuva, energia solar, arquitetura naturalmente fresca que dispensa ar condicionado, compostagem e, é claro, horta. São 11 felizes moradores, a maioria mulheres acima de 50 anos. Um sonho que virou realidade e mostra como seria simples mudar o panorama das nossas cidades e dar um passo enorme rumo a um modo de vida menos devastador.
Voltei para São Paulo energizada pelo axé hortelão baiano. Obrigada a todo mundo que me recebeu com tanto carinho.