Paris, a cidade verde

(Post escrito em 2017 por:
Claudia Visoni, paulistana, jornalista, ambientalista e agricultora urbana
Giulia Giacché, italiana morando em Paris, agrônoma, pesquisadora e integrante honorária das redes de agroecologia de São Paulo)

Antes de apresentar as descobertas, vamos lembrar que “jardim francês” é algo que para a maioria das pessoas ainda hoje remete ao Castelo de Versailles (cidadezinha colada em Paris), formas geométricas e às tentativas mais radicais de domar as plantas de que se tem notícia na história do paisagismo. Então, tudo o que vem daqui para frente é uma verdadeira revolução estética e de costumes na arte de jardinar.

*Végétalisons Paris (Tradução livre: Plantemos em Paris) — De uns tempos para cá, a prefeitura de Paris está realmente empenhada na promoção da agricultura e na “vegetalização” (a palavra não existe em português ainda, mas é ótima) da cidade e por isso implementou vários programas, reunidos aqui : https://www.paris.fr/duvertpresdechezmoi. Um deles estimula os cidadãos a colocar a mão na terra e plantar em calçadas, telhados, muros, praças, jardins e microfazendas. Já tem mais 1128 projetos realizados e ajuda tanto quem quer começar do zero quanto quem quer se juntar a uma iniciativa já existente. O site é muito simples e convidativo: https://vegetalisons.paris.fr/vegetalisons/jsp/site/Portal.jsp?page_id=0. Pelas ruas, já são centenas de canteiros em volta de árvores com suas plaquinhas improvisadas que mostram a autorização que foi concedida ao coletivo x ou y. Curiosamente, os canteiros de rua de Paris estão muito parecidos com os que as valentes Batatas Jardineiras montaram no Largo da Batata, em Pinheiros. Hortas comunitárias também estão bombando por lá e existe um programa da prefeitura só para elas, o Mains Vertes: https://www.paris.fr/services-et-infos-pratiques/environnement-et-espaces-verts/nature-et-espaces-verts/les-jardins-partages-203.

Hortas do 18º — Paris é dividida em distritos que se chamam arrondissements. Quanto menor o número, mais central o bairro. Nós fomos visitar algumas hortas do 18º (ou 18ème arrondissement), uma região já nos limites da cidade com presença de imigrantes e pessoas mais pobres. Por ali, a prefeitura fez parceria com Vergers Urbains (Pomares Urbanos), mistura de ONG e empresa ecológica. É essa instituição (www.vergersurbains.org ) que cuida de uma horta grande no centro comunitário e instala pequenos canteiros e composteiras pelo bairro. O dinheiro vem da prefeitura regional e também de instituições privadas e beneficentes que atuam com a população de baixa renda. Os Vergers Urbains contrata jardineiros como a Vera, que nos recebeu durante a visita. Na conversa com ela percebemos que os desafios são semelhantes ao das hortas de São Paulo: dificuldade de atrair voluntários assíduos, pessoas que retiram mudas ou deixam lixo nos canteiros e até vandalismo no lago de peixes.

Paisagismo ecológico na Coulée Verte — Uma antiga linha férrea suspensa foi desativada e virou uma passarela verde para os parisienses passearem e praticarem corrida. Como se fosse um Minhocão mais estreito, sem carros e lindo. Cheio de plantas e muito bem cuidado, passa longe do paisagismo cafonamente higiênico que esconde o ciclo da natureza. Na Coulée Verte, que até poucos anos chamava Promenade Plantée, tem compostagem aparente, folhas secas no chão, matinhos que crescem espontaneamente e hotel de insetos. Bom lugar para educar o olhar e aprender a admirar um jardim mais natural. Informações (em francês) aqui: https://www.parisinfo.com/musee-monument-paris/71237/Coulee-verte-Rene-Dumont-ex-Promenade-Plantee

La Recyclerie (A Reciclaria) — O lugar fica também no 18º e se autodenomina fazenda urbana, com horta, agroflorestinha, aquaponia, abelhas (o mel produzido no teto acaba de ganhar um prêmio internacional) e galinheiro. Mas é muito mais: tem restaurante, dois bares, lanchonete, oficina de consertos, local para cursos e palestras e até jogo de petanca (uma espécie de bocha francesa). Por ali vimos um modelo de negócio que se beneficia do incrível charme da agricultura urbana ao mesmo tempo em que reúne outros produtos e serviços com maior valor agregado. Sobreviver na cidade plantando salada em pequenos terrenos altamente valorizados é muito difícil. Então, fazendo um condomínio de empreendimentos focados na regeneração socioambiental e econômica, um ciclo virtuoso e financeiramente sustentável pode se formar. A Recyclerie não está sozinha no bairro: ela participa e alimenta uma rede de “eco-otimistas” e a cada mês um assunto entra em pauta (http://www.larecyclerie.com/ecoptimistes/ ). O empreendimento se autointitula um “terceiro lugar”, ou seja, um local de escolha para viver e conviver (o primeiro lugar seria a casa, o segundo o trabalho). Esse link, em inglês, explica melhor o conceito e sua importância política e comunitária: https://en.wikipedia.org/wiki/Third_place. Passamos rapidinho na Recyclerie e já estava fechado para as férias de Natal. Mas sentimos no ar o clima da querida Casa Jaya (www.casajaya.com.br ).

* La Louve — Um supermercado que se inspira o modelo da Food Coop de Nova York. Demorou dois anos para lançar e é um espaço bem grande (1.400 m2) com oferta de alimentos frescos e industrializados de alta qualidade e preços menores do que no varejo em geral. O supermercado tem apenas seis funcionários para a gestão dos estoques e contabilidade. Todo o atendimento é feito pelos cooperados, que também são os únicos que podem comprar na loja. Ou seja, para comprar você precisa se associar (mais de 6 mil pessoas já estão participando). E se associando você precisa trabalhar três horas a cada quatro semanas. Giulia, que é associada, conta a experiência de fazer parte da Loba (louve significa loba): “Não é só um supermercado, mas principalmente uma comunidade. Dia 3 de janeiro fiz meu primeiro turno de serviço. São 30 pessoas trabalhando juntas e três coordenadores orientando. É preciso repor mercadorias nas prateleiras, pesar as frutas e verduras, atender no caixa, controlar prazos de vencimento e, depois do fechamento da loja, fazer a faxina. Normalmente são formados pequenos grupos de trabalho e isso ajuda a conhecer pessoas. Quem está comprando muitas vezes pede ajuda, conselhos culinários e dicas. A existência dessa cooperativa é um ato político, pois ela hackeia o sistema predominante de comercialização de alimentos (supermercado) e cria uma alternativa inclusiva e participativa”. Na França existem outros projetos semelhantes já operando ou em construção: http://consocollaborative.com/interview/supermarches-cooperatifs-debarquent-france-rejoignez-cette-carte/

* Outros empreendimentos que não deu tempo de visitar, mas também são inspiradores:
La Caverne — Uma fazendinha subterrânea que produz cogumelos, saladas de brotos e endívias. http://lacaverne.co/ (Obs -Em São Paulo temos uma horta subterrânea que fica no Edifício Malzoni, no Itaim. http://ciclovivo.com.br/noticia/sao-paulo-ganha-sua-primeira-horta-subterranea/ )

La Ferme Du Bonheur — Fazenda urbana ao lado da Universidade de Nanterre cujo espaço também é dedicado a atividades artísticas e comércio solidário. http://www.lafermedubonheur.fr/

VileFertile — Outra fazenda urbana, essa com maior produtividade e cultivo biointensivo. Fica nos limites da cidade e oferece atividades educativas. http://www.vilefertile.paris/

Le PaysanUrbain — Produz saladas de brotos dentro de Paris e promete gerar 30 empregos. https://mrmondialisation.org/une-micro-ferme-en-plein-paris/

E já que você chegou até aqui, esse é o mapa da rede de microfazendas por toda a França: https://www.google.com/maps/d/u/0/viewer?mid=1fy6Fta6qnNkzLroBSTNCggzIVXY&ll=46.57405030104323%2C4.840936882147048&z=5

Giulia e Claudia em frente à Recyclerie

Cartaz do Végétalisons convidando as pessoas a plantar na cidade inteira

O povo plantando nas calçadas de Paris. Por causa do inverno, tudo feinho. Mas a prefeitura e os jardineiros seguram a onda da revolução estética.

A autorização da prefeitura fica pendurada na árvore. Os jardineiros do 4ème avisam que estão cuidando desse canteiro

Sinalização na entrada da Coulée Verte

A Coulée Verte é toda assim. Pista de caminhada e corrida com plantas dos dois lados. As árvores estão sem folhas por causa do inverno

Compostagem aparente na Coulée Verte. Na natureza é assim. Absurdo é quando os jardineiros jogam fora as folhas e podas para o jardim ficar “arrumado”. Argh

Hotel de Insetos na Coulée Verte. Jardim feliz tem muitos insetos das mais diferentes espécies

A placa avisa: “Deixamos as folhas secas sobre o solo para proteger e enriquecê-lo”

A placa avisa: deixamos os matinhos crescerem! Paisagismo natural com espécies espontâneas

Agrofloresta da Reclyclerie

La Louve, o mercado-cooperativa

Horta do centro cultural do 18ème

Hotel de insetos na horta.

Vera, que cuida da horta, Giulia e Brenno, querido amigo hortelão de SP que está morando em Paris e passeou com a gente

Lá também tem gente sem noção que joga lixo em horta. A gente conhece bem essa história…

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