Muita gente que quer fazer uma horta vem falar comigo. Entre as dúvidas mais comuns: “Onde arranjo terra?”. Resposta: “Bom mesmo é fazer a própria terra em vez de comprar, buscar doação e ficar transportando por aí sacos pesadíssimos”.
Tudo bem que, na empolgação do início, às vezes não dá para esperar os meses que a matéria orgânica demora para compostar. Na pressa do começo está valendo conseguir solo em outro lugar. Mas a verdadeira experiência da agricultura demanda o cultivo do próprio solo. E não existe horta que se sustente importando a terra para sempre.
Antes de passar às dicas práticas, deixo um recado: a perda de solo é um dos maiores problemas da humanidade. O desmatamento, a agricultura baseada em insumos químicos e monocultura, a mineração e outros erros da nossa civilização estão destruindo o solo que nos sustenta. Ou seja, estamos literalmente roubando das próximas gerações um dos elementos mais básicos para a manutenção da vida. Se quiser saber mais sobre o assunto recomendo o livro “Dirt, Erosion of Civilizations”, de David Montgomery e o filme Dirt. Olha o link do filme aqui: https://www.youtube.com/watch?v=l-3uDm9O0PA . (Apesar do mesmo nome, o filme não é uma versão do livro). Então, se você quer deixar um tesouro para os descendentes de sangue ou de alma, vá produzindo solo no quintal, na horta comunitária, no sítio, no condomínio, onde puder.
A natureza faz a terra sozinha se nós deixarmos. Todo ser vivo virará terra novamente quando morrer, mas podemos acelerar esse processo. Aí basta imitar as formigas incorporando intencionalmente a matéria orgânica ao solo.
Faço agora uma pausa para defender as formigas. Elas, ao contrário do que muita gente pensa, são amigas e não inimigas da horta. Se estão devorando suas plantas é porque o solo está degradado e não encontram outros alimentos. Então coloque uma boa camada de palha sobre o solo (até mesmo nos vasos) e deixe uns matinhos crescerem. Esse texto do Efraim Rodrigues explica lindamente e não canso de indicar: http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com.br/2013/05/a-minhoca-e-o-mocinho-e-formiga-o.html.
Como fazer terra? Aqui em casa são duas a maneiras:
1 — Amontoar todas as podas do jardim em um local e esperar. Se você conseguir um triturador (eu comprei um da Trapp) acelera muito o processo.
2 — Levar os resíduos orgânicos da cozinha para o minhocário.
Quer explicações detalhadas e ilustradas? Baixe o guia que a querida Raquel Ribeiro fez: https://biowit.files.wordpress.com/2010/11/guia_compostagem_2011_web.pdf
Momento político: cerca de 50% do lixo doméstico gerado no país é orgânico. Isso é um absurdo, pois estamos pagando caminhões de dinheiro com nossos impostos para encaminhar para os aterros o que deveríamos estar devolvendo ao solo. E lá no aterro infelizmente tudo se mistura com resíduos potencialmente contaminantes. E o esgoto leva embora as matérias orgânicas mais ricas em nitrogênio: nossos cocôs e xixis. Estamos precisando urgente de uma mudança cultural baseada em compostagem de tudo e nos banheiros secos. Estes resolverão enormes problemas de saúde pública e salvarão nossos rios e praias.
Momento espiritual: a palavra que originou humanidade foi a grega humus, que significa terra e deu origem também às palavras homem e humildade. Em hebraico, húmus é adamá, que deu origem a Adam (Adão), de onde vem a humanidade. As duas tradições dizem a mesma coisa, percebe? Fazer terra é um ato sagrado de reconexão espiritual e um exercício de humildade.