Em 2008 eu comecei a plantar comida em casa. O motivo principal posso dizer agora: a angústia do colapso. Antes não dava para mencionar porque essa palavra assusta. Percebi há muito tempo que nossa sociedade — incluindo governos, empresas e pessoas — não está (ou estava) nem aí para a necessidade de a gente se preparar para situações difíceis cada vez mais prováveis. Naquela época pensei, pensei e cheguei à conclusão de que não existe nada mais conveniente quando há distúrbios pelo mundo do que ter comida crescendo perto de você. Então entrei nessa por motivações racionais. E ganhei de brinde um universo novo de alegrias, afetos e espiritualidade. Agricultura urbana serve para muito mais coisas do que fornecer ingredientes para refeições (http://conectarcomunicacao.com.br/blog/130-18-motivos-para-incentivar-a-agricultura-urbana/ )
Plantar é uma atividade mais desafiadora intelectualmente do que fisicamente. E olha que exercita muito os músculos! Ainda tenho muito a aprender, mas em todas as minhas refeições pelo menos um ingrediente fui eu quem plantou. Talvez nem 20% das calorias que consumo venham da minha horta, mas muito da minha saúde sim. Tem dias em que o almoço seria um ovo e um punhado de arroz se não existissem meus amados vasos e canteiros. Aí vou colher umas coisinhas no quintal e, de repente, chegam no prato rúcula, almeirão, pepino, ora-pro-nobis, abóbora, cúrcuma, nirá, shissô, pimenta…
Na ameaça de um dos colapsos anteriores (a greve dos caminhoneiros em 2018) fiz esse post chamado “A horta da emergência” sobre as plantas com melhor custo-benefício em termos de oferta nutritiva e necessidade de cuidados: https://medium.com/@claudiavisoni/a-horta-da-emerg%C3%AAncia-57fb250f7b41 .
Durante a quarentena do Covid 19, muitas pessoas começaram a se interessar por plantio e compostagem. Para quem está nos primeiros canteiros ou vasos, o Microcurso de Horta http://conectarcomunicacao.com.br/blog/microcurso-de-horta/ pode ajudar. E o grupo Hortelões Urbanos (https://www.facebook.com/groups/horteloes/ ) continua firme e forte, com mais de 80 mil membros cheios de generosidade na hora de compartilhar dicas. Sobre compostagem, esse guia da querida Raquel Ribeiro é maravilhoso: http://www.compostagem.ecophysis.com.br/files/Guia-de-Compostagem-Caseira—Raquel-Ribeiro—2-Edicao—2013.pdf
Quem tem um quintal onde bate sol é muito privilegiado. E mesmo nos condomínios dá para organizar uma horta. A crise econômica se tornou mais longa do que a da saúde pública. Então ouça o Ron Finley: “Plantar a própria comida é como imprimir o próprio dinheiro” (recomendo o TED dele : https://www.ted.com/talks/ron_finley_a_guerrilla_gardener_in_south_central_la?language=en. O da Pam Warhurst também vale a pena https://www.ted.com/talks/pam_warhurst_how_we_can_eat_our_landscapes?language=en .
Por mim, nossas cidades seriam acarpetadas de inhames, mandiocas e taiobas. Toda casa, escola, condomínio, praça e parque teria hortas. A USP seria uma fazendona. Plantas medicinais cresceriam nos postos de saúde para economizarmos com remédios. Além de nutrir e amenizar problemas na hora da falta de grana ou durante os apagões logísticos, as paisagens comestíveis acalmam e dão esperança na vida.
O Guia Alimentar Para a População Brasileira (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2ed.pdf ), lançado pelo Ministério da Saúde em 2006, é referência mundial em boas práticas. Fácil de ler, tem resumos em cada capítulo e valoriza os aspectos sociais e culturais da alimentação. Que ele sirva para nortear políticas públicas. E que a agricultura urbana se torne prioridade para governos e comunidades daqui para frente.
Plantar é uma das coisas mais prazerosas que existem.