Giro pelas hortas cariocas

O Rio de Janeiro está a cada dia mais comestível. Hortas comunitárias, escolares e profissionais brotam por todo canto. Fui lá ver de perto e aprender com um montão de iniciativas que merecem ser espalhadas pelo vento:

– PROGRAMA HORTAS CARIOCAS: Iniciativa da prefeitura, criada em 2006 pelo agrônomo Júlio César Barros. É uma das melhores políticas públicas de agricultura urbana do mundo, reconhecida em 2020 como ação essencial para alcançar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. No momento são 55 hortas oficialmente apoiadas e várias outras recebendo orientação e insumos de forma espontânea pela pequena e animada equipe do Hortas Cariocas. As lavouras urbanas estão em comunidades de baixa renda e escolas municipais. Quer saber os pulos do gato que fazem o programa dar muito certo? Aí vai: 1) Os 260 hortelões e coordenadores das hortas recebem ajuda de custo que vai de R$ 500 a R$ 1.000 mensais; 2) A prefeitura não levanta nenhuma horta do zero. Para conseguir o apoio, a comunidade precisa começar o trabalho por meios próprios; 3) O relacionamento entre as hortas e a prefeitura é afetuoso e desburocratizado; 4) As hortas em comunidades são estimuladas a se tornarem lucrativas e seguir por conta própria (isso já aconteceu com 15 delas).

E tudo isso é baratíssimo para os cofres públicos: o valor máximo a ser gasto em 2022 será R$ 1,6 milhão. Alguns outros recursos vêm de compensações ambientais. A famosa Horta de Manguinhos faz parte do programa. São três hectares embaixo de linhões de transmissão de energia. Em breve será inaugurada a Horta do Parque Madureira, com 11 hectares, unindo cinco comunidades. E essa será a maior do mundo.

– HORTAS COMUNITÁRIAS: Visitei três muito lindas. Horta Comunitária do Grajaú, na Zona Norte (homônimo do bairro paulistano da Zona Sul), Horta Peixoto, em Copacabana, e Horta Vinil, na Barra da Tijuca. Sempre me emociono com a singeleza e resiliência desses espaços públicos cuidados com tanto amor por voluntárias e voluntários. No Grajaú fui recebida pela Roberta Bicalho, engenheira florestal que estava recém-chegada ao bairro quando a horta começou e ganhou vários amigos nos mutirões. Com ela descobri que o sistema de adoção de canteiros e praças no Rio é muito simples. A cidadã ou cidadão pode adotar uma árvore ou um metro quadrado se quiser, sem burocracias. Ao contrário de São Paulo, onde guardiões de hortas estão tendo dificuldades gigantes com isso.

– HORTAS EM ESCOLAS: Minha cicerone foi a nova amiga Yayenca UY, uruguaia que se apaixonou pelo marido carioca e pelo Rio. Faz mestrado estudando tecnologias sociais e é a cuidadora principal da horta da Escola Municipal Pedro Ernesto, na Lagoa. Ali conheci também a diretora Elisabeth Mendes Pereira, grande incentivadora da horta. A bordo do Fusca 69 da Yayenca, fui conhecer a horta da Escola Municipal Gabriela Mistral, na praia da Urca, cenário de cartão postal, onde trabalha a hortelã Morgana Martins.

– KOMBOTÂNICA: Empreendimento agroecológico do também novo amigo Antônio Soares. A empresa fica num viveiro mágico no Alto da Boa Vista, rodeado pela Floresta da Tijuca, e oferece consultoria e serviços de jardinagem agroecológica, venda de plantas, cursos, educação ambiental e implantação de hortas educativas e terapêuticas.

Tanto Antônio quanto Yayenca já estavam conectados comigo pelo maravilhoso grupo Hortelões Urbanos, que há 11 anos tece essa rede linda que ainda vai fazer desse país de novo uma agrofloresta. E agradeço a querida Cecilia Polacow Herzog, professora de paisagismo ecológico da UFRJ, que ajuda a puxar o bonde da regeneração nas paisagens.

– FAVELA ORGÂNICA: Fica na Babilônia, pertinho de Copacabana em distância e muito longe em condições de vida para a população. Esse projeto incrível foi iniciado pela Regina Freitas, mais conhecida como Regina Tchelly, paraibana que mora no Rio há mais de 20 anos. Prática e genial, ela faz mil coisas ao mesmo tempo e se tornou uma espécie de CEO da holding popular integrada por iniciativas de combate à fome e ao desperdício de alimentos, cursos de ecogastronomia, horticultura, educação ambiental, nutricional, financeira e até apoio psicológico gratuito. São mais de 350 pessoas atendidas diariamente, muitas delas pacientes de doenças crônicas que buscam a cura por meio da alimentação saudável. Nos finais de semana a sede da Favela Orgânica vira um restaurante (funciona só por reserva) com a vista mais linda do Rio de Janeiro. A didática da Regina é muito simples e sedutora. Exemplo: ela ensina a fazer quatro sucos verdes gastando só R$ 2,50 e que podem ser vendidos ao todo por R$ 15. A equipe, espertíssima e totalmente feminina, inclui a jovem Helena, filha de Regina, e no momento Deise Dai, que é de Osasco e está ligada à linda iniciativa Ecoz.

PROVIDÊNCIA AGROECOLÓGICA – Localizada no morro antigamente conhecido como Morro da Favela, que vem a ser a primeira favela do Brasil e de onde surgiu esse nome. O bairro começou no século XIX reunindo os ex-combatentes da Guerra de Canudos que vieram da Bahia e chegaram ao Rio sem ter onde morar. Favela, aliás, é um arbusto espinhento comum nos sertões do Nordeste. Em 2016, Alessandra Roque e Lorena Portela iniciaram uma horta bem em cima da montanha que foi perfurada para fazer o túnel que liga a área da estação Central do Brasil à região da Gamboa. Aos poucos transformaram o abandono em um jardim encantado que mistura plantação com parquinho infantil, centro cultural, refeitório ecológico, consultório para tratamentos alternativos, biblioteca, sala de aula ao ar livre e muito mais. Até banheiro seco instalaram por lá. Conversei com a arte-educadora Marina Machado e com Lene Silva, uma das principais cuidadoras da horta. A Providência Agroecológica oferece um espaço seguro e lúdico para as crianças da comunidade brincarem, aprenderem e se alimentarem bem. Algumas delas recebem atendimento psicológico gratuito e agora a equipe busca educadores voluntários para oferecer reforço escolar em matemática e português. Conhece alguém que mora no Rio e toparia contribuir? Marca aqui. Para as mães existem cursos de costura e preparo de fitoterápicos.

Não aconselho ir visitar a Favela Orgânica e a Providência Agroecológica sem antes combinar com as lideranças locais. Táxis e Ubers não chegam até lá e o endereço exato inclui passar por escadarias e vielas indecifráveis para quem é de fora. Fui de transporte público até o ponto mais próximo e segui a pé para os pontos de encontro com as anfitriãs.

Também aproveitei a viagem ao Rio para conhecer iniciativas que apoiam os agricultores da cidade. São elas:

Junta Local – Começou como um grupo organizado de compradores de produtos orgânicos, evoluiu para um delivery e passou a organizar feiras gastronômicas agroecológicas. Agora tudo isso continua valendo e em breve um entreposto/mercado será aberto na nova sede, pertinho da Praça Quinze, num canto bem charmoso do centro. A conversa com o Thiago Nasser, um dos fundadores, foi muito legal e ficamos compartilhando nossos sonhos e ações para que todo mundo tenha acesso a comida muito boa, produzida perto de quem vai consumir e de forma socialmente justa.

As-pta Agroecologia – A sigla quer dizer Assessoria e Serviços a Projetos em Agriculturas Alternativas e a organização existe desde 1983. Nasceu na Paraíba e também tem representação no Paraná. No Rio atua bastante com agricultores tradicionais da Serra da Misericórdia, principal área verde da Zona Norte, e do Maciço da Pedra Branca, que fica dentro do parque estadual e perto da Barra da Tijuca. Um de seus objetivos é a interlocução com o governo para fortalecer políticas públicas voltadas à agroecologia. http://aspta.org.br/ https://www.instagram.com/agroecologiaaspta/

Rede Carioca de Agricultura Urbana – Também atua nas zonas norte e oeste apoiando agricultores que produzem em sítios periurbanos, hortas comunitárias e quintais. Faz integração consumidores, poder público e universidades. Organiza a feira de orgânicos mais antiga da cidade, que acontece aos sábados no bairro de Campo Grande. http://ppad.org.br/…/rede-cau-rede-carioca-de… https://www.instagram.com/redecariocadeagriculturaurbana/

Ajudar a tecer essa rede de pessoas que plantam comida, saúde, bem-estar e melhorias ambientais nas cidades é uma das coisas de que mais gosto na vida.

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