Existem no mundo 1,3 bilhão de chineses, 1,2 bilhão de indianos e 800 milhões de agricultoras urbanas* (estou usando no feminino para chamar a atenção para o fato de que nós, mulheres, somos maioria das roceiras nas cidades). A terceira nação do mundo em população!
Só que muita gente ainda não percebeu que a agricultura urbana existe. Nos bairros de classe média muitas vezes somos vistas como hippies excêntricas querendo causar. E nas periferias, onde as agricultoras e os agricultores urbanxs existem e resistem desde sempre, é uma atividade que gera cotidianamente trabalho (muito), renda (pouca) e saúde para a população. Pena que as políticas públicas e a sociedade ainda não dão a importância ou atenção devida ao cultivo de alimentos na cidade.
A agricultura urbana é muito resiliente. E vamos precisar mais dela daqui para frente, já que não faltam condições para eclodirem outros micro ou macrocolapsos. Segurança alimentar é apenas uma das razões para incentivar essa atividade, já que o plantio de alimentos na cidade só gera efeitos colaterais positivos (veja aqui: http://conectarcomunicacao.com.br/blog/130-18-motivos-para-incentivar-a-agricultura-urbana/). E caso você se preocupe com a poluição, saiba que, tomando algumas precauções não há problema (veja aqui o guia de boas práticas: http://www.iea.usp.br/pesquisa/grupos-de-estudo/grupo-de-estudos-de-agricultura-urbana/publicacoes/cartilhasiteiea.pdf/view)
Generalizando de maneira muito simplificada, existem três tipos de agricultura urbana e abaixo coloquei as dicas de como ajudar a gente em cada situação.
Hortas Domésticas
Alguém na sua casa resolveu fazer uma horta. Que alegria! Você vai usufruir de temperos, chás, hortaliças e talvez até frutas frescas colhidas no quintal ou na varanda do apartamento. Mas para isso acontecer é preciso que as plantas recebam pequenos cuidados diários e grandes manutenções quinzenais ou mensais. Se quer ajudar, comece observando o trabalho. Só de olhar você vai aprender muita coisa. Caso o hortelão da casa precise de ausentar, ofereça-se para fazer as regas ou outros manejos necessários. No dia-a-dia, incentive. Se algo estiver incomodando, proponha uma conversa para entender a razão daquele comportamento ou equipamento na sua casa. E negocie o que é possível fazer para reduzir sua incomodidade sem inviabilizar a horta.
Hortas Comunitárias (incluindo as escolares)
Uma horta funciona mais ou menos como uma cozinha. Uma horta doméstica é como a cozinha de uma casa. Uma horta comunitária é como a cozinha de um restaurante, ou seja, maior e mais muvucada. Visitantes ocasionais sem experiência com plantio ou que desconhecem o funcionamento da “cozinha” X ou Y em geral não conseguem ajudar muito logo de cara. O que as hortas comunitárias precisam mesmo é de pessoas que trabalhem nela com frequência e uma certa intensidade. Mas se esse ainda não é o seu caso, aqui vão algumas sugestões de como fazer boas colaborações pontuais:
1 — Oferecer insumos: composto, biofertilizante, esterco, mudas, bambus para fazer estacas, sementes, folhas secas, serragem, cinzas, casca de ovos, pó de café, ferramentas, carona para buscar insumos em algum lugar. Mas conte o que pretende doar e veja se aquele item realmente é necessário. Em caso afirmativo, veja se consegue se tornar um fornecedor frequente do item.
2 — Perguntar “Do que vocês estão precisando?” e tentar oferecer. Tem serviço para todo tipo de talento. Sempre é preciso fazer placas de identificação e contribuições para o lanche são muito bem-vindas, por exemplo.
3 — Ajudar no trabalho braçal pesado: carregar sacos de insumos, capinar, podar, rachar troncos, manejar a composteira etc.
4 — Ajudar a regar. Na época da seca e nos dias de calorão, dependendo do tamanho da horta a rega é uma tarefa bem extensa. Pergunte ao cuidador mais experiente quando, quanto e de que modo regar.
5 — Observar. Perceba que na primeira vez que você vai ajudar, seja lá em que tarefa for, você estará solicitando diversas explicações e a atenção do cuidador da horta. Se for algo que você fará apenas uma vez na vida e nunca mais, talvez seja mais produtivo apenas fazer companhia e observar.
Cultivo urbano para comercialização
Chegamos à parte mais importante: o apoio que agricultoras e agricultores urbanos precisam para produzir alimentos agroecológicos em quantidade para alimentar as populações das cidades. Atualmente, de 15 a 20% de todo o alimento do mundo é produzido nas cidades* e essa taxa vai facilmente dobrar se existirem boas políticas públicas e apoio da sociedade à agricultura urbana.
O que cada cidadão e cidadã pode fazer é buscar as redes alternativas de comércio da sua cidade (que vendem a produção das hortas urbanas) ou ir direto até elas comprar da mão da agricultora. Procure as hortas, procure as lojinhas de orgânicos, seja um pouco detetive e descubra onde encontrar os alimentos produzidos localmente. Influencie parentes e amigos a apoiarem a agricultura urbana. Visite as hortas, conheça de perto o trabalhão que dá para cultivar comida e aceite pagar o preço justo.
Também precisamos pressionar para que os gestores públicos ajudem da seguintes formas:
1 — Proporcionando acesso facilitado à terra e à água. Pode-se começar pelo mapeamento das áreas públicas e particulares ociosas com potencial para hortas.
2 — Fornecendo apoio e maquinário para o preparo inicial do solo (retirada de entulho).
3 — Oferecendo assistência técnica e testes gratuitos de solo e água.
4 — Dando ajuda para acessar insumos e para a logística de transporte. Principais itens necessários: mudas orgânicas, sementes, composto (compostagem de resíduos das feiras e podas de árvores, por exemplo) e outros nutrientes para o solo.
5 — Promovendo o diálogo e aceitando as demandas das associações de agricultores.
6 — Implantando programas de Pagamento por Serviços Ambientais.
7 – Apoiando, promovendo, agilizando a burocracia e oferecendo instalações públicas para as feiras agroecológicas.
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* Veja de onde tirei essa estimativa do número de agricultores urbanos do mundo: World Watch Institute 2011 /Relatório “Inovações que Nutrem a Terra”, página 125: “Estima-se que 800 milhões de pessoas em todo o mundo se dedicam à agricultura urbana, produzindo de 15% a 20% de todo o alimento. Desses agricultores urbanos, 200 milhões produzem alimentos para vender nos mercados e empregam 150 milhões de pessoas.” (Até outro dia o documento estava online e pude ler inteiro na época do lançamento para fazer esse post https://www.claudiavisoni.com.br/alimentacao/96-comida-de-amanh/ . Mas agora só comprando o acesso por aqui: http://www.worldwatch.org/sow11)
Horta em Cidade Tiradentes, São Paulo (foto de Paula Lopes)