O World Watch Institute (WWI), fundado em 1974, é o primeiro e mais importante instituto independente de pesquisas sobre questões ambientais do planeta. Publica o relatório “Estado do Mundo”, que se torna imediatamente obra de referência. A versão 2011, com o título “Inovações que Nutrem o Planeta”, fez uma radiografia da situação mundial da agricultura, com foco em segurança alimentar e combate à fome.
São 209 páginas de texto e mais 60 de notas bibliográficas produzidas por dezenas de pesquisadores e traduzidas para 30 idiomas. Havia uma versão em português no site do Instituto Akatu, que infelizmente foi retirada do ar. (Esse era o link… http://www.akatu.org.br/Content/Akatu/Arquivos/file/Publicacoes/EstadodoMundo2011_portugues.pdf) . Li o relatório inteirinho quando foi lançado e aqui vão alguns trechos que acho importante compartilhar:
Sobre a escassez de alimentos
“Dentro de um a dois anos, a maioria dos agricultores africanos que produzem para subsistência própria e usam fertilizante químico precisarão desistir desse insumo, o que ocasionará uma queda sem igual na produtividade, na ordem de 30% a 50%.” (pág. 68)
“Existe crescente escassez de água e as estimativas apontam para uma demanda superior à oferta: calcula-se que, dentro de 20 anos, o abastecimento de água será adequado para atender apenas 60% da população mundial.” (pág. 191)
“A perspectiva a longo prazo é assustadora. A partir do momento em que os recursos naturais registrem queda acentuada (em fertilidade do solo, pesca, florestas, combustíveis fósseis, por exemplo), a economia e o nível de emprego começarão a ser afetados pelo declínio na produção, pelos preços de energia e pelo aumento das emissões. Outras consequências possíveis dessa estratégia são migração em massa resultante da escassez de recursos como água, por exemplo, aceleração das mudanças climáticas e aumento considerável nos índices de extinção de recursos.” (pág. 192)
“Estamos hoje no limiar de um colapso das funções de ecossistemas vitais que sustentam as pessoas e o planeta. Ao mesmo tempo, estamos assistindo a níveis intoleráveis de pobreza, em que cerca de 1 bilhão de pessoas passam fome diariamente.” (pág 197)
“A apreciação mais detalhada da agricultura global até o momento, a Avaliação Internacional do Conhecimento, Ciência e Tecnologia Agrícolas para o Desenvolvimento (IAASTD), conduzida pela ONU, fez isso e mais ainda. Redigido por mais de 400 cientistas e profissionais da área de desenvolvimento de mais de 80 países, e endossado por 58 governos, o relatório concluiu que ‘Fazer os negócios do jeito de sempre não é uma opção’. A avaliação constatou que as tecnologias e práticas agroindustriais, bem como os programas políticos, econômicos e institucionais que as respaldam, conseguiram, em alguns momentos, aumentar a produtividade agrícola, mas cobrando um preço altíssimo em termos de saúde pública, meio ambiente, equidade social, igualdade entre os sexos e dos próprios fundamentos da segurança alimentar.” (pág. 198)
Sobre agronegócio de larga escala
“Durante décadas, com o intuito de sustentar a renda familiar em vista dos retornos líquidos cada vez mais baixos por área cultivada, os fazendeiros norte-americanos simplesmente expandiram a área de suas plantações. Inúmeros fazendeiros na América Latina seguiram essa prática, montando operações que ocupam dezenas de milhares de hectares e fazendo um uso combinado de soja resistente a herbicida e sistemas de plantio direto. Embora altamente produtivas em termos de renda agrícola por hora de trabalho investido, essas fazendas fazem muito pouco para incrementar o bem-estar econômico dos despossuídos que vivem na área da lavoura. A renda gerada, assim como o produto da lavoura, escoa para fora da região.” (pág. 197)
Sobre biodiversidade na agricultura
“Um papel vital da diversidade genética é manter uma ‘caixa de ferramentas’ própria que possa ser utilizada para combater diversas ameaças à lavoura. Mesmo assim, no século 20, perdeu-se 75% da diversidade genética das culturas agrícolas, e atualmente, apenas cerca de 150 espécies de plantas são cultivadas em maior escala, das quais apenas 3 fornecem perto de 60% das calorias derivadas de plantas.” (pág. 83)
Sobre hortas na cidade
“Estima-se que 800 milhões de pessoas em todo o mundo se dedicam à agricultura urbana, produzindo de 15% a 20% de todo o alimento. Desses agricultores urbanos, 200 milhões produzem alimentos para vender nos mercados e empregam 150 milhões de pessoas. Calcula-se que, até 2020, entre 35 e 40 milhões de africanos que vivem nas cidades dependerão da agricultura urbana para suprir suas necessidades alimentares. Isso poderia fornecer a algumas pessoas até 40% da ingestão diária recomendada de calorias e 30% das necessidades proteicas.” (pág. 125)
“O cultivo de alimentos em cidades tem algumas vantagens em relação à agricultura rural, como proximidade dos mercados, baixo custo do transporte e redução de perdas pós-colheita, graças ao menor tempo entre as colheitas. Em períodos de turbulência ou instabilidade, a agricultura urbana sempre mantém as pessoas alimentadas quando o fornecimento de alimentos do campo é interrompido.” (pág. 126)
“Reconhecendo ‘a dura realidade de que fome, insegurança alimentar e desnutrição são questões prementes de saúde, até mesmo em uma cidade rica e vibrante como São Francisco’, na Califórnia, em julho de 2009 o prefeito Gavin Newsom pediu que todas as secretarias municipais realizassem uma auditoria das terras sob sua jurisdição para criar uma lista de terras adequadas à lavoura. Essa medida fez parte da primeira política alimentar implementada no âmbito de toda uma cidade e se baseou, em parte, nas recomendações da San Francisco Urban-Rural Roundtable, um grupo de pessoas interessadas, tanto da área rural como da área urbana, que se reuniram durante nove meses.” (pág. 129)
Sobre hortas escolares
“No Quênia, 12 hortas escolares são administradas em colaboração com a Slow Food Convivia e a Rede Agroecológica na África (NECOFA). Uma dessas hortas, no distrito de Molo, em Elburgon, foi eleita pelo Ministério da Agricultura do Quênia a melhor horta escolar do país. Os produtos cultivados pelos alunos são usados nas merendas escolares e o excedente é disponibilizado às famílias. O programa pedagógico une a horticultura com outras matérias e as plantas são usadas no ensino de matemática (medição do crescimento das plantas), biologia (observação dos ciclos de vida), língua (documentação do desenvolvimento da horta), história (escolha de alimentos tradicionais), arte (exploração das cores, formas e desenho das plantas) e nutrição (preparo de pratos baseados em produtos frescos). As escolas organizam viagens e intercâmbios culturais e, além disso, alunos de comunidades étnicas diferentes se encontram para compartilhar suas experiências e juntos comerem o alimento produzido nas hortas escolares.” (pág. 89)
Sobre o desperdício de comida
“O desperdício é hoje um infeliz e desnecessário corolário da profusão da oferta de alimentos nos países ricos. Jogar fora hortifrútis cosmeticamente ‘imperfeitos’, descartar no mar peixe comestível, desconsiderar casca de pão em fábricas de sanduíche, abastecer em excesso os supermercados e comprar ou cozinhar comida demais em casa são exemplos da negligência perdulária em relação aos alimentos.” (pág. 112)
Sobre democracia alimentar
O funcionamento pleno de uma democracia alimentar requer a educação alimentar de seus integrantes, ou seja, as pessoas precisam não apenas compreender as origens do alimento que consomem, mas também o contexto social, político e cultural de quem o produz e de todos os envolvidos na sua distribuição. (pág. 199)
Se você chegou até aqui, não perca a ótima entrevista com Lester Brown, fundador do Instituto, publicada em 23/10/2011 pelo Estadão: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,nos-limites-da-terra,789243,0.htm
Para ter acesso a toda a biblioteca digital do WWI, em português: http://www.wwiuma.org.br/sobre.html#.
Xeretei o relatório anterior (2009/2010) e fui fisgada novamente. O título é “Transformando Culturas/Do Consumismo à Sustentabilidade” e meus olhos grudaram nas informações que apareciam na tela. Ou seja, lá vou eu, que ainda prefiro os livros em papel, passar mais um montão de horas na frente da tela do computador, mastigando páginas em PDF (não tenho Kindle ou IPad e nem pretendo ter por enquanto).
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