Estava pensando que lixo não é para existir quando vi a seguinte notícia: Carga de lixo vinda da Alemanha é encontrada em porto do Rio Grande do Sul(http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/784380-carga-de-lixo-vinda-da-alemanha-e-encontrada-em-porto-do-rio-grande-do-sul.shtml). No tal contêiner (encontrado dia 4/8/2010) estão 22 toneladas de lixo doméstico, incluindo fraldas usadas e todo tipo de porcaria. Em junho de 2009, a mídia noticiou bastante a descoberta de 89 contêineres com cerca de 1.200 toneladas de lixo tóxico, domiciliar e eletrônico vindas da Inglaterra.
Quando comecei a batucar esse texto, minha intenção era escrever sobre o conceito de lixo, que é uma novidade. Surgiu com a industrialização e a invenção de materiais que não se decompõem naturalmente, como os plásticos. Todas as civilizações anteriores à Era do Consumo Frenético reaproveitavam tudo, até o xixi (no tingimento de tecidos) e o cocô (como adubo).
É ingenuidade acreditar que o contêiner alemão de agora e a imunda frota inglesa de 2009 foram os únicos carregamentos do gênero já importados ilegalmente pelo Brasil. O fato é que estamos na rota do tráfico internacional de lixo, em companhia principalmente das nações africanas. O ótimo livro Gomorra, de Roberto Saviano (aquele cara que contou tudo sobre a máfia napolitana e está jurado de morte), explica direitinho a conexão entre os dejetos da nossa sociedade e o submundo do crime.
Se na Europa não há mais espaço para armazenar lixo, no Brasil os aterros estão cada vez mais saturados. A maioria das pessoas ainda acredita que a reciclagem é uma solução mágica para o problema do lixo. Mas, não por acaso, os 3 R’s do lema dos ambientalistas vêm na seguinte ordem: Reduza, Reutilize e Recicle. Ou seja, reciclar, só em último caso, pois se trata de um processo industrial que gasta muita energia, muitos produtos químicos tóxicos e muito combustível (no transporte da sucata). A própria Bracelpa, entidade que reúne as indústrias papeleiras, assume que o papel reciclado tem o mesmo impacto ambiental do papel novo, se for certificado (http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090415/not_imp354835,0.php).
Se a reciclagem fosse uma solução perfeita para eliminar 100% do lixo, por que países tão preocupados com o meio ambiente, como a Inglaterra e a Alemanha, estariam mandando seus contêineres de resíduos para cá?
Para continuar o assunto:
http://www.youtube.com/watch?v=BWPU5WNgQ2w&feature=youtu.be (Trailer de Waste Land, documentário que mostra o trabalho do artista plástico Vik Muniz com os catadores que trabalham num lixão no Rio de Janeiro)
http://www.youtube.com/watch?v=U6IbRSRe8MQ&feature=related
(Clip da música 3 R’s, do cantor e compositor havaiano Jack Johnson)
http://vimeo.com:80/2354118
(O mundo visto pelos olhos dos catadores)
Nem tudo dá para reciclar. Nem sempre vale a pena reciclar. Para não nos afogarmos no tsunami do lixo, vai ser preciso consumir menos.
Os problemas da reciclagem são muitos. Nas cidades brasileiras em geral, a coleta seletiva não alcança todos os bairros e muitas vezes os caminhões especiais que deveriam levar os materiais para a reciclagem acabam despejando tudo no aterro comum. Isso sem falar que diversos itens reciCLÁVEIS nunca são reciCLADOS porque não vale a pena comercialmente, já que é muito mais fácil e barato produzir do zero. E, quando tudo dá certo, produtos químicos agressivos e muita energia são utilizados para transformar sucata em produto novamente.
Para escaparmos do tsunami do lixo, governos, empresas, comunidades e pessoas precisarão se comprometer de verdade com a faxina do planeta. É preciso repensar procedimentos institucionais e hábitos de consumo de acordo com o lema dos ambientalistas: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Não por acaso, as palavras aparecem nessa ordem.
Em primeiro lugar, vem a ideia de reduzir. Ela implica em questionar antes de consumir, avaliar se realmente aquilo que está sendo adquirido terá uso, redesenhar processos com a meta lixo zero sempre que possível.
Se é inevitável colocar um produto em circulação, chegou a vez do reutilizar. Compartilhar, reformar, restaurar e manter em uso cada item o máximo possível.
Só depois de reduzir os itens em circulação ao realmente necessário e usar intensamente o que foi produzido é que dá para pensar no terceiro R (reciclar). Aí catadores, caminhões e indústrias entram em cena. Mas, quando se trata de material orgânico, existe uma maneira muito mais nobre de reciclar: a compostagem. Você mesmo pode transformar os talos e cascas de vegetais e as podas do jardim em adubo para as plantas. Se mora em apartamento, a saída é ter um minhocário.
A correta separação de resíduos é em três fraços: 1) orgânicos (para serem encaminhados para a reciclagem), 2) sucata (para entrar novamente em processos industriais) e 3) rejeito (o que não pode ser aproveitado e irá para o aterro sanitário).
Um registro do destino da coleta seletiva em 2010
Se quiser mergulhar no assunto, pesquise as edições de O Estado de São Paulo em 13/2/2009 e 15/05/2010, Veja São Paulo em 5/8/2010, Folha de São Paulo em 27/1/2010 e Revista da Folha em 28/2/2010.
Na cidade de São Paulo são recolhidas 140 toneladas diárias de sucata. Só que pelo menos 35% disso é desperdiçado e acaba indo para o aterro. O pessoal que trabalha nos centros de triagem das cooperativas tem que desprezar as sucatas em mau estado e as que não encontram comprador, como muitas vezes ocorre, por exemplo, com as embalagens plásticas do tipo que é utilizado em cosméticos, o isopor e os papéis metalizados. Pior ainda é quando o caminhão “seletivo” está muito cheio e compactado, o que complica a separação de materiais. Aí a equipe da limpeza pública simplesmente muda o caminho e despeja no lixão todo o conteúdo da caçamba.
Mesmo os itens mais fáceis de vender (como papel, latas de alumínio e garrafas PET) tiveram o preço reduzido nos últimos anos devido à crise econômica mundial. Muitos catadores abandonaram a atividade por não conseguirem mais se sustentar e existem até prédios que estão desistindo de promover a reciclagem.
No final, apenas 1,1% de todo o lixo de São Paulo acaba sendo reciclado. O resto morre no aterro. E isso é outro problemão, pois no mundo inteiro há cada vez menos espaço para colocar os detritos.
Aqui no meu bairro existe a coleta seletiva há muito tempo. Como vc descreve, tenho o cuidado de embalar vidros quebrados, lavar as embalagens usadas com alimentos, “passar uma água” nas que contem produtos de limpeza, etc.
Mas lendo este post me senti uma idiota fazendo tudo isso, pq ao meu ver este lixo era totalmente reciclado pela empresa que a recolhe. Não pensei que parte dele fosse parar num lixão comum! É um absurdo!
Entretanto, nem por isso vou deixar de fazê-lo, pq ainda acho que de alguma forma estou ajudando.
Pry: concordo com você que não podemos desistir de fazer “papel de idiota” preparando as sucatas para reciclagem. Mas é urgente nossos governantes darem um jeito nisso, sem esperar a burocracia que está em torno da Política Nacional de Resíduos Sólidos.